segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ciririca en las noches frias...


Pé vermelho quando vai à Montanha, o faz com o coração aberto e o Espírito Livre! Nossa Montanha mais próxima está há 130 km de asfalto e outros 23 km de terra de Rolândia à base do Pico Agudo.

A Serra do Mar (Ibitiraquire, como referência) está a mais de 450 km... Passar a noite “na bolea” para chegar ao Templo e iniciar a ascensão é um traço comum a todos Montanhistas Pés-Vermelhos.

Daí resulta a disposição inabalável, diante de quaisquer condições climáticas adversas. Obviamente, todos esperam por um tempo bom no cume e, dizer o contrário seria pura hipocrisia... Contudo, as estatísticas demonstram que as intuições climáticas pessimistas tendem a se confirmar, mesmo que se faça uma entusiástica “dança do sol”...

Outro não foi o caso no Marumbi, vivenciado pelos Montanhistas rolandenses Marcão, Derlan, Celsinho, Eliandro e Rubão ou do penúltimo acampamento diluviano no Pico Agudo, em companhia dos dois primeiros Irmãos supramencionados.

No Pico Paraná, sempre tivemos melhor sorte, mas no Ciririca (em língua indígena: Grande mãe caranguejo), as coisas não foram bem assim...

O Ciririca é uma das Montanhas de mais difícil acesso da Serra do Ibitiraquire. Estávamos no auge do inverno e as previsões climáticas oficiais não eram nada animadoras... Abortar a empreita, impensável!

Alicerçados no tradicional otimismo pé-vermelho, entramos na elbinha do Zero e enfrentamos chuva de Rolândia à Fazenda do Bolinha. Em Curitiba, os termômetros marcavam 10º Celsius.

Ninguém da Confraria havia chegado à Serra. Alguns poucos raios de Luz que transpassavam as nuvens foi o pretexto que encontramos para iniciarmos o tão esperado: Embrenharmo-nos na exuberante Mata Atlântica, rumo ao Santuário nas Alturas!

Após um breve café da manhã e os tradicionais alongamentos, iniciamos a peregrinação. A trilha era longa demais para prestarmos atenção ao frio... Como é natural, foram várias e várias pausas para apreciar o bom e velho tabaco de Montanha...

Chegamos ao belíssimo Salto do Professor e, logo após, o tempo fechou de vez! A Floresta ficou coberta pela névoa e a anorake do Marcão não suportou 15 minutos de chuva torrencial... Em assembléia, decidimos suspender as pausas para o cigarrinho...

O clima era (in)tenso... Temia pela minha sorte na barraca paraguaia... Não ver o cume, tornava mais penosa à caminhada... Foram nove horas intermináveis, tão bruscas as viradas de tempo...

Nas encostas não degralizadas do Ciririca o vento e a chuva eram adversários cruéis... Córregos desciam pelas fendas... Exaustos chegamos ao cume sob os efeitos psicodélicos da “tela branca”...




Montei o acampamento juntamente com o Malinha. Estava nu no vento e chuva gélidos (trocando de roupa) quando chegaram o Zé e o Zero. Esperando por horas melhores, entrei com tudo na paraguaia!

Em meia hora notei que a “paraguaia” suava, devido aos efeitos da condensação... Gotas escorriam pela lona, iniciando a formação de poças na barraca! Após meditações, concluí que nada podia ser feito!

Dei uns bons tragos no cachimbo e consegui desligar-me do frio e da condensação da paraguaia... Foi um grave erro! Na madrugada acordei sob chuva e ventos intensos, barraca encharcada e saco de dormir molhado da cintura para baixo...

Calafrios percorriam o meu corpo. O que fazer? Desceria no dia seguinte, pensava comigo mesmo!  Não suportaria mais uma noite sob aquelas condições... Decidi recorrer ao bom e velho tabaco de Montanha e após alguns tragos, adormeci novamente...

Acordei com a claridade da manhã no alto da Grande Mãe Caranguejo e, conformado, acatei sua não disposição em mudar de humor...

Café da manhã na barraca do Malinha. Início da Assembléia. Expressei minha ânsia por um retorno rápido. Indefinição. Mais cigarrinhos e eis que surge o sol! Arco íris, mar de nuvens!

Afinal, meu pessimismo seria derrotado! Imediatamente, abortamos a descida e colocamos nossas roupas para secar sob os campos de altitude... Eu dediquei alguns minutos para drenar a paraguaia...

Tiramos muitas fotos! Mas, eis: Às 10:00 h. da manhã, a grande mãe caranguejo retomou seu humor frio e úmido... Descer agora, impossível! Estudei mecanismos para enfrentar a noite...

Passamos o dia na barraca do Malinha (entre um e outro cigarrinho) conformando-nos através das lendárias expedições de Amundsen, Scoot e Schackleton! Não havia margem para outra Literatura...

Às 16:00 h. ainda chovia e escutamos passos por perto. Estaríamos delirando? Não. Havia um recém-chegado membro da Confraria que montara seu acampamento solitário sobre a grande mãe...

No final da tarde, a Montanha melhorou seu humor e tivemos a oportunidade de festejarmos a Grande Festa do Por do Sol! Durante a solenidade entrevistamos o recém-chegado Confrade...


Foi-nos revelado que o “maluco” era Paulista e estava acompanhado por alguns Irmãos de Curitiba (que abortaram a travessia no Tucum) devido às condições climáticas adversas. Tal a intensidade com a qual Paulista vivencia o Montanhismo, chegando a peregrinar sozinho pelos Andes à custa de todas as suas economias...

Logo após o término da confraternização no crepúsculo, a Grande Mãe Caranguejo retornou ao seu estado gélido e úmido...

Despedi-me dos Irmãos, coloquei uma muda de agasalho seco, entrei em um saco de lixo e, depois, no saco de dormir molhado. Umas tragadas no cachimbo foram o prelúdio de uma boa noite de sono...

Amanheceu e nenhuma novidade climática... Tela branca... Iniciamos a descida pela trilha interminável. Paulista estava 'encanado' com o tempo, pois tinha que pegar o ônibus às 17:00 h.

Às 17:00 h. quando Paulista dava adeus ao seu retorno à São Paulo, soltamos as pernas adormecidas na ânsia por chegar ao carro. Foi quando o Zé se deteve diante de uma Jararaca.

A serpente estava incomodada com nossa velocidade e algazarra verbal. Parada forçada. Silêncio e a Jararaca seguiu seu caminho...

Chegamos ao Bolinha às 18:30. De acordo com os códigos do Montanhismo, despedimo-nos de Paulista na Rodoviária Curitibana e, atrasados, tocamos em frente rumo ao Norte do Paraná...

Exaustos, chegamos à Serra do Cadeado em meio a um novo dilúvio. Novo aumento natural de tensão. O Cambio da elbinha enguiçou nas marchas ímpares. Seguimos em segunda e quarta...

Alívio chegar à Londrina, mas tensão nos sinaleiros e esquinas... Como já está evidente, tudo acabou por terminar bem. Só eu que mudei... O efeito Ciririca me deixou apaixonado por banhos frios... Contudo, tal fixação montanhística vem se manifestando também em nossos “invernos” cada vez mais quentes e curtos!

9 comentários:

  1. Nao tem nada tão enigmático e misterioso do que estar em uma montanha....Até quem nao acredita em Deus nesta hora medita e agradece tantos lugares bonitos que nos enche a alma de alegria e júbilo.
    JOSÉ CARLOS FARINA - MONTANHISTA DE CORAÇÃO

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  2. Obrigado, Grande Tio! É isso aí... O Montanhismo é um estilo de Vida!

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  3. tsc... eu queria ir com vocês, mas com certeza eu atrapalharia, atrasaria :(

    eu comprei uma bicicleta há algum tempo e domingo pedalei 20 km até bratislava, e no final da tarde pedalei os 20 km de volta... vou treinando para conseguir fazer distâncias maiores.

    Eu quero subir montanhas também, mas meu namorado sempre "espana", arranja um pretexto para não viajarmos para fazer subidas :(

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  4. Grande Farina !
    Lendo seu relato lembrei das horas de sufoco que a gente passou por la.
    Pra gente parar e pensar ne irmao - O que nos impulsiona a sair embrenhados numas loucuras dessas?
    Longe da familia, do conforto do lar, sofrendo em meio a tempestade, e a troco de que ?

    breves momentos eternos...
    em que a gente não é nada,
    e se sente parte do todo.

    Feliz natal e ano novo!
    Mtas montanhas na sua vida!

    Dia 13 to descendo pro Itapiroca, vou levar a Marcella pra conhecer la, se estiver na pegada manda um email que a gente combina.

    Abraços

    -- Diego F. G. ( Zero )

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  5. Valeu grande Irmão Zero pelas palavras...

    Deveras, esta foi uma empreita memorável...

    Feliz ano novo e muitas Montanhas para ti também!

    Bons Ventos!

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  6. Saudações irmão Farina... bela narrativa! Graças a estes registros estas histórias não ficarão apenas no íntimo de nossas lembranças mas permearão todos os adeptos da arte... Parabéns pela iniciativo amigo! Abração

    Rubens Negrão

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  7. Valeu, Grande Ir.´. Rubens!

    Já passou da hora de realizarmos alguma empreita juntos!

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  8. Pow.. show de bola o relato... da para sentir o amor a montanha nas palavras...
    E o ciririca é um dos que ainda estão nos meus planos... mas como você mesmo disee.. para nós os pé vermelhos (sou de maringá) só para pegar os 450 e poucos Km.. chegar e já ir subindo.... é um de nossos traços comuns... mas mostra também que nossa logistica é um pouco mais complicada...

    Até Abraço ! quem sabe um dia nos esbarramos na montanha.. tomando como exemplo o paulista...

    Abraço.. e bons ventos !

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  9. É isso aí Derso! Nossa logística é bem mais complicada... Mesmo em se considerando nossa maior Montanha, o Pico Agudo... Bem lembrado o velho ditado "O mundo é pequeno e a montanha, mais ainda!" A gente, com certeza se encontrará, por aí! Vamos conversando, Irmão! Bons Ventos e obrigado pela visita!

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